Já era madrugada. Estava a se
preparar para dormir. A noite havia sido bastante proveitosa. Sua mente estava
repleta de ideias novas e seu espírito estava radiante de felicidade. Porém
havia algo a mais. Havia algo que havia deixado passar, um ínfimo detalhe. Não
sabia do que se tratava, todavia sabia que esse minúsculo detalhe mudaria toda
a sua vida para melhor. Sem muita pressa e nervosismo, começou a refletir,
chegando a murmurar palavras consigo, um monólogo filosófico e com algo de
espiritual.
Ficou nesse processo por um bom
tempo. Precisava dormir, porém não conseguia. Entretanto, não poderia fazê-lo
até que dirimisse este enigma que apareceu-lhe durante a madrugada. Aliás,
esses mistérios somente apareciam-lhe nas altas horas da madrugada e muitas
vezes seu sono foi comprometido por causa disso. Em compensação, acordava com a
mente mais iluminada e mais esclarecida, assim como a sua revolução interna
(que tentava derrubar o seu ditador interior) avançava cada vez mais em direção
ao seu objetivo final.
De repente, uma luz.
Sim, era exatamente isso que
faltava! Uma visão mais profunda do todo, algo menos superficial! Era preciso
parar de desfrutar do gozo por um tempo, gozo este proporcionado por sensações
e emoções que jamais foram experimentadas, que pela primeira vez apareciam no
mundo empírico e que finalmente havia deixado o mundo das ideias. Era tudo
real, tudo tão palpável! Como não se maravilhar, deslumbrar-se com tal
realidade que a priori parecia que jamais sairia da teoria? É normal que os
sentidos fiquem embriagados e que o ser entregue-se a essa embriaguez
metafísica. No entanto, é preciso sair desse estado dionisíaco e encaminhar-se
para um estado mais meditativo, onde o ser possui mais controle de suas ações e
pensamentos.
Então pegou de um lápis e uma folha
e branco. Sim, era preciso registrar este momento de alguma forma e que forma
melhor poderia haver que não fosse a escrita? Imediatamente, começou a
preencher as folhas com palavras que refletiam o momento iluminado que estava vivendo.
Ainda restavam alguns problemas e dúvidas sem soluções e respostas, porém elas
seriam resolvidas com o tempo.
E escreveu, escreveu, escreveu até que não sobrasse nenhum espaço em
branco. Pronto, ali ficariam registradas suas mudanças internas, oriundas de
reflexões que ao longo dos anos, moldaram (e ainda moldarão) o seu interior
para algo melhor.
O
que são nomes? Apenas palavras para facilitar a comunicação e para facilitar o aprendizado.
O nome não revela absolutamente nada, á algo superficial. Um ser pode ser chamado
de múltiplos nomes por múltiplas pessoas, isto diferença nenhuma fará. O nome
de batismo, o nome artístico, o apelido, não revelará a essência do ser que é
por ele nomeado.
O
altruísmo é algo que anula o indivíduo: ele perde a sua identidade e ele faz
com que a pessoa elimine o amor-próprio e a sua própria imagem. Porém isto é
maravilhoso e divino, já que com todos esses obstáculos eliminados, o ser fica
destituído de toda e qualquer vaidade, e esta é um veneno para a alma. O
indivíduo que elimina todo traço de vaidade não ama ao próximo como a si mesmo:
ele apenas ama, sem referencial, e este é o verdadeiro e mais puro amor.
Por
que se dá tanta importância ao comportamento sexual? Por que a necessidade de
rotulá-lo? O conceito reprime, prende, nos faz reféns da opinião alheia. Como
pode rotular-se a forma de sentir prazer, dizer quem é ativo e passivo, como se
isso fosse uma característica permanente? Pode até ser que seja, mas nem sempre
é o caso. E mais: por que dar tanta importância ao sexo? Por que tanta ênfase
no prazer que o corpo sente? São prazeres mais do que saborosos o degustar de
uma boa comida, uma boa bebida, um beijo... mas e quanto aos prazeres da alma?
Por que não dar mais destaque a estes, já que engrandecem e tratam da mente e
uma mente saudável leva a um corpo sadio? É sabido que um corpo sadio está mais
apto a usufruir dos prazeres empíricos do que um corpo doente.
Dizem
que deve haver um equilíbrio entre razão e emoção. As experiências já mostraram
o quão desastroso pode ser deixar-se levar constantemente pelos sentimentos,
assim como deixar-se levar na grande maioria das vezes pela razão: no primeiro
caso, o indivíduo torna-se um escravo de suas paixões e no segundo fica-se por
demais frio e insensível. O indivíduo que tem os dois em equilíbrio também
deveras perigoso, já que ele não pende nem para um lado e nem para o outro; sua
reação é imprevisível. O melhor a ser feito é que se deixe a balança interior
pesar mais para o lado da razão, pois esta, se tiver vantagem sobre a emoção,
evitará que o indivíduo cometa tolices. Com a razão levando uma pequena
vantagem (deve-se ressaltar esta palavra, “pequena”), ela tenderá a sobrepujar
os arroubos das paixões mas ao mesmo tempo manterá a sensibilidade do indivíduo
sempre pronta para apreciar as coisas belas e compartilhar das alegrias e
tristezas do próximo. Este é o verdadeiro equilíbrio.
O
sábio não se deslumbra fácil. Ele não se deixa levar pelas aparências, pelas
belas palavras de outrem, pelos elogios e afins. O sábio tem a mente equilibrada
e sabe dos perigos da vaidade. O sábio se deslumbra apenas depois de um tempo,
quando percebe que é seguro e viável ter esse deslumbre, já que ele controla
suas emoções. As únicas coisas que fazem o sábio deslumbrar-se é a filosofia, a
literatura e a arte como um todo.
Ao
apreciar todo e qualquer tipo de arte, não se deve fazê-lo de forma superficial:
É preciso entregar-se por completo. Ao ver um quadro, deve-se nele entrar,
fazer parte dele, sentir o que ele passa: as cores e o cheiro da paisagem, cada
objeto, interagir com aqueles que nele estão retratados, sentir suas emoções.
Ao ouvir uma música, procure sentir cada instrumento e a emoção que cada um passa,
assim como deve-se perceber a importância que cada um tem para que se possa
fazer uma bela melodia. Se houver voz, sinta a emoção que ela passa, como ela
canaliza de forma perfeita o sentimento presente na letra! Sinta a letra,
observe e atente para cada palavra: uma letra de verdade não é apenas um
emaranhado de palavras sem sentido, ela leva a um êxtase pleno, onde a música
se combina perfeitamente com a mensagem que é passada pela letra. Porque a arte
que é arte de verdade passa algo de bom: a “arte pela arte” é algo destituído
de sentimento e que só serve para enaltecer as capacidades técnicas de quem a
produziu. A arte de verdade faz bem para o interior de quem a produz tanto para
o interior de quem a aprecia.