Abriu a porta. Não estava trancada, como havia
previsto. Adentrando a sala, percorreu todo o aposento com os seus olhos
insones, que nesses últimos dias andavam abertos, passando noites em claro, com
a mente a trabalhar de forma ativa, em um elaborado e contínuo trabalho de
reflexão. Sentou-se em uma cadeira, cadeira esta que costuma acomodar seus
ilustres hóspedes. Colocou a mão no queixo e ficou assim por algum tempo,
imóvel, mais uma vez entregando-se à laboriosa atividade filosófica que apesar
de um tanto cansativa e às vezes angustiante, tinha a sua cota de prazer.
Então,
deu um sorriso discreto e levantou-se. Olhou para as escadas que levavam aos
seus aposentos e calmamente subiu, degrau por degrau.
Ao
chegar em sua alcova, notou que a porta estava escancarada. Não se importando
com isso, adentrou o recinto e meticulosamente, passou a chave, trancando-se e
mais uma vez isolando-se do mundo exterior. Observou a escrivaninha: havia um
pouco de poeira, assim como um pouco de cinzas no porta incenso. Os papéis que
havia deixado de forma ordenada não mais desta forma estavam. “Então estiveram
aqui”, pensou e sorriu mais uma vez, só que o novo sorriso foi um pouco mais
amplo que o de antes. Arrumou seus papéis, acendeu as velas no candelabro, pôs
um incenso de benjoim, pegou da caneta, algumas folhas em branco e começou a
escrever. Sentiu que estava a faltar alguma coisa. Então pôs Chopin para tocar.
Agora não faltava mais nada.
Era
notório o modo com as ideias estavam a fluir em sua mente. Não era algo que se
destacava em qualidade, todavia a qualidade delas era superior ao que era
outrora. Também estava a saborear uma sensação de liberdade plena, que nunca
havia experimentado antes, não com essa satisfação e com essa intensidade. Seu
ser encontrava-se agora renovado, mais do que nunca. Sua viagem filosófica e
metafísica obteve esplêndido êxito, mais até do que ele poderia imaginar. A
grande maioria de suas dúvidas havia se dirimido e as brumas de sua ignorância
não estavam tão densas quanto antes: a visibilidade agora estava melhor. Sem
dúvida, foi uma ótima decisão o seu exílio intelectual.
Agora,
era só colher os frutos dessa colheita e continuar trabalhando para que essas
brumas não fiquem mais densas e consequentemente dissipem-se de forma
definitiva.
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