Já era madrugada. A lua
minguante já estava no alto do céu, com seu brilho apático a iluminar
debilmente a noite. Seus raios adentravam por uma janela e refletiam uma figura
feminina que estava graciosamente deitada no chão.
Era uma mulher de
longos cabelos ruivos, pela branca bronzeada pelo sol, usando como vestes
apenas peças íntimas, que eram da mesma cor de sua cabeleira. Em seus olhos
verdes, havia uma tristeza sem tamanho e em seu rosto havia diversos caminhos
traçados por lágrimas, uma verdadeira trilha de angústia e desespero. Jazia
sobre um tapete escarlate com dimensões um pouco maiores do que seu delicado e
belo corpo. Ela estava ali fazia algum tempo, imóvel, como uma escultura que
foi derrubada de um sustentáculo e que agora decorava o chão do recinto. O que
chamava mais a atenção é que o tapete de alguma forma refletia a luz da lua
...e uma carta jazia ao lado da mulher...
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Em outro recinto, em
outro local, gemidos prazer ainda ecoavam no ar após uma tórrida noite de amor.
Porém, paradoxalmente, o ambiente encontrava-se mais silencioso do que o
interior de um crânio sepultado há décadas. Nele havia uma suntuosa cama de
casal, onde dois corpos jaziam após uma longa batalha sexual. Em seus poros
ainda podiam-se vislumbrar algumas gotículas d’água, resultado de um refrescante
banho, algo bastante necessário para purificar e limpar o corpo dos líquidos
oriundos das sensações prazerosas resultantes do atrito que há entre os corpos
em horas mais íntimas. Era notório o sorriso estampado no rosto do casal, que
parecia estar no paraíso, ouvindo os anjos tocarem as mais belas canções
celestiais. A mulher adormecida estava com a fronte no peito de seu parceiro,
enquanto este dormia estava com a mão em sua cabeça repleta de longos cabelos
negros, afagando-a de forma carinhosa.
-Estava maravilhosa
hoje, querida. Mais do que nunca esteve.
-Obrigada, meu belo. –
ela ergueu a cabeça para olhar para seu homem e olhar dentro de seus olhos
castanhos e afagar seu curto cabelo da mesma cor. – Creio eu que mereço um
presente por ter-lhe proporcionado tanto prazer. Não estou certa?
-Certamente. Merece
algo de especial, minha encantadora fada.
-Inclusive tenho algo
em mente... - disse, dando um sorriso de mulher experiente, um sorriso que só
esse tipo de mulher poderia dar.
- E o que seria?
- Um poema. O poema que
prometeste para mim. Disseste que o havia terminado. Onde está? Quero ler
agora!
- O poema! – ergueu a
cabeça para cima, colocando a mão na testa. - De fato, o escrevi porém deixei-o
em casa. Na pressa para te ver, deixei-o em casa.
- Na pressa para
possuir-me, você quer dizer. Homens são assim mesmo, quando estão em busca de
um corpo feminino, de tudo esquecem. Mas tudo bem, pode trazer-me na próxima
vez. Porém saiba que perdeste a oportunidade de tornar este o momento mais
especial de nossas vidas.
-Isso é fácil de
resolver, querida. – disse-lhe, apalpando o farto seio dela. - Basta tornarmos
o nosso próximo encontro mais especial do que este.
Depois de falar, não
esperou que ela respondesse. Simplesmente puxou seu rosto para perto do dele e
deu-lhe um beijo com toda a vontade do seu ser. Depois de se beijarem longamente,
já estavam envolvidos em mais um combate sexual. Ele era um cavaleiro que com
sua arma sempre em riste, atacava impiedosamente sua adversária, que sempre
tombava perante seus golpes, gemendo longa e profundamente. Mas ao contrário do
que seria em um combate comum, ela não oferecia nenhuma resistência, sempre
deixando sua guarda deliciosamente aberta...
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Algumas horas antes, em outro local, uma
mulher levantava-se de seu leito. Uma bela mulher, de cabelos ruivos, trajando
apenas peças íntimas vermelhas, tornando-a uma figura que despertava os mais
profundos desejos carnais. De forma graciosa e sensual, caminhou com seus pés descalços,
saindo do seu quarto, em busca de uma garrafa d’água.
Depois de saciada sua sede, caminhou até
a janela para vislumbrar a lua minguante, cuja luz entrava pelas frestas. Sem
pensar duas vezes, a mulher com cabelos vermelhos abre-a, com o intuito de
permitir a passagem completa da luz lunar. Janela aberta, braços abertos, ela
entrega-se ao luar, deixando que os níveos feixes de luz toquem seu belo corpo.
Ela se delicia com o toque da noite, e tem um orgasmo metafísico, um orgasmo da
alma. Ela está vivendo um momento único e deseja aproveitá-lo plenamente.
Após o gozo, ela abre
os olhos. Está feliz. Estaria mais ainda se ele estivesse aqui, contudo não é o
caso. Ele teve de viajar, resolver problemas pendentes. Mas ele irá voltar e
então poderão amar-se à luz da lua e então o gozo será pleno, de corpo e
alma...
De repente, após uma
brisa um pouco mais forte, os pensamentos dela são interrompidos por um som de
algo leve caindo no chão. Ao virar-se, ela nota que é um envelope. Caminha até
ele e o apanha do chão. No envelope está escrito “Para minha amada”.
-É a letra dele. Será
que ele queria fazer-me uma surpresa? Ou será que iria entregar-me e esqueceu?
Homens, tão distraídos. Quando tem algo importante em mente, esquecem-se de
tudo...
Lentamente ela abre o
envelope e começa a ler o conteúdo. Ela
reconhece a letra, sem dúvida foi ele que escreveu. Subitamente, ela sente um
calafrio percorrer todo o seu corpo e gotas de suor gelado começam a brotar de
sua fronte. O nome do poema é “Melissa”. Seu nome é Ana...
De forma desesperada,
seus olhos começam a percorrer os versos. Alguns chamam a atenção e evidenciam
a traição do seu amado:
Em
teu universo onipresentes de madeixas negras
Estrelas
vermelhas simplesmente tornam-se insignificantes
Permita
que em tua infinitude e esplendor
Seja
eu o teu particular cometa errante!
De forma compulsiva,
lágrimas começam a escorrer pelo seu rosto angelical e uma máscara de tristeza
o cobre, contrastando com a felicidade demonstrada instantes atrás. Tenta
controlar-se, mas os soluços tornam-se cada vez maiores à medida que lê o poema
até o seu derradeiro verso. No fim, cai de joelhos, põe as mãos no rosto e
então sente a maior dor que já sentiu em sua vida. Depois de chorar o que
parecia ser inúmeras lágrimas, fica em estado catatônico, olhando para o vazio
por cerca de meia hora. Então, ainda olhando para o vazio, ergue-se e caminha
em linha reta, em direção à cozinha.
Quando volta, traz em
suas mãos um objeto pontudo e prateado. Uma adaga, pertencente a seu amado. Ele
sempre gostou de lâminas, sempre achou que eram obras de arte. Vivia a dizer
que era muito mais homem aquele que se aproximava para matar seu inimigo do que
aquele que ficava a disparar a distância. Era um fã incondicional da história dos
300 de Esparta. Ela começa a mirar a adaga por alguns minutos e então quebra o
silêncio fúnebre da sala.
-Destruíste meu sonho.
Despedaçaste meu coração. Traíste minha confiança. E agora, irás matar-me. Sim,
será você o assassino. Minha mão apenas fará ao meu corpo o que acabaste de
fazer à minha alma.
Cerimonialmente, ela
ergue o punhal em direção à luz da lua, como que pedindo a benção da mesma. Em
seguida, coloca a lâmina em seu pescoço. A mão treme descontroladamente. Ela
tenta se controlar. Depois de segundos, a mão está firme. E subitamente, ela
faz um movimento rápido e mortal, com a precisão necessária. E o gosto de ferro
inunda sua língua. Sangue escorre pelos seus lábios. Um rio escarlate começa a
percorrer toda a parte frontal do seu corpo. Antes de seu corpo ir de encontro
ao chão, ela ainda visualiza a adaga coberta com seu sangue e pensa na beleza
da nova cor que ela criou, uma espécie de escarlate com tons prateados e
albinos. E então seu lindo rosto vai de encontro ao chão e ela ouve o som da
queda, antes que sua mente se afunde em uma densa e silenciosa treva. Então,
seu corpo dá alguns espasmos e de repente, torna-se tão imóvel e rijo quanto
uma pedra...
Apesar de fazer vários
minutos que seu corpo está no chão e do sangue que escorre de sua garganta de
forma abundante, mal se percebe a morbidez da cena, já que ela caiu sobre um
tapete vermelho, cuja cor é a mesma do líquido vital que há minutos atrás
bombeava seu corpo com vigor, sem contar o fato que o tapete o absorve quase
que por completo, dando a ilusão a um observador desatento que ela está ali,
adormecida, banhando-se com os raios lunares, que pouco a pouco, vão
tornando-se cada vez mais rubros à medida que a lua aproxima-se do horizonte,
despedindo-se da melancólica cena e mergulhando gradativamente a sala na mais
densa escuridão.
CRÉDITOS
Foto da ruiva por Eduardo Muruci. Confiram o excelente trabalho dele!